Publicado em:
1/8/2022
Antes, vamos entender o que é o vício. Podemos caracterizar vício como perda de controle, aumento da busca e persistência em continuar utilizando ou apresentando determinados comportamentos, apesar das consequências negativas. A substância ou comportamento viciantes atuam modificando o funcionamento e a anatomia das estruturas cerebrais. O uso crônico resulta em aumento da tolerância e da necessidade de consumo em quantidades cada vez maiores.
Alguns pesquisadores entendem que qualquer substância que gere prazer possa viciar, porém há divergências na literatura científica sobre esse assunto. Os mecanismos que geram vício ou dependência são distintos e variam de uma substância para a outra. O que eles têm em comum é a liberação final de dopamina - um neurotransmissor, substância que atua no nosso cérebro, capaz de gerar sensação de prazer.
Esse pico de dopamina após o consumo de açúcar, por exemplo, promove prazer. E como todo pico, pode ser seguido de um vale (diminuição abrupta e acentuada), o que pode promover a sensação de culpa e arrependimento em alguns casos específicos e até mesmo a nova busca por repor essa dopamina.
Por isso, antes de consumir alimentos altamente palatáveis, como aqueles ricos em gorduras e açúcares, sentimos uma euforia e empolgação, pois nos lembramos do prazer vivenciado da última vez que comemos o alimento.
O aumento da dopamina pode ser ocasionado por, por exemplo, escutar uma música que você goste, brincar com os filhos ou encontrar com amigos, fazer atividades físicas ou participar de aulas em grupo. Muitos comportamentos aumentam a Dopamina e nem por isso são considerados viciantes.
O estado glicêmico modula a interação complexa entre o controle da fome tanto periférico (no nosso estômago e intestino) quanto o central (controle neural hipotalâmico e mesolímbico) do comportamento de busca de alimentos. Reduções modestas transitórias na glicose circulante diminuem o controle inibitório a nível cerebral e podem promover excessos, particularmente em um ambiente inundado com alimentos altamente calóricos. Esses dados implicam que as estratégias para minimizar os decréscimos pós-prandiais (o aumento do nível de glicose na corrente sanguínea cerca de 10 minutos após uma refeição), incluindo o consumo de refeições menores e mais frequentes - assim como a combinação de macronutrientes na refeição -, podem ser úteis na redução do risco de excesso de alimentos altamente calóricos, principalmente em indivíduos obesos.
Quando falamos de alimentos, o que ocorre é uma adaptação do paladar, que pode ser revertida. Quando aumentamos a quantidade de açúcar que comemos, é porque diminuímos a percepção dele em alimentos menos açucarados. O mesmo ocorre com a gordura e com o sal. E esse efeito - ao contrário de drogas sintéticas, por exemplo - pode ser revertido. Quanto mais consumimos, mais o nosso paladar se adapta, necessitando de doses cada vez maiores para sentir o sabor.
Voltando ao nosso tema - açúcar - algumas semanas de alimentação com doses reduzidas já são capazes de adaptar o paladar fazendo com que a pessoa tenha o mesmo prazer comendo, só que com uma quantidade menor de açúcar.
Quando buscamos uma conclusão em relação a esse assunto, existem indícios positivos e negativos quanto ao açúcar viciar de fato, mas não há consenso apontando com certeza para nenhuma direção. Apesar de existirem alimentos (como os ultraprocessados) que estimulam um consumo compulsivo, também não podemos descartar que, mais que uma dependência química, também existem fatores de dependência emocional e o relacionamento como a comida. Como tudo relacionado a alimentação, é uma conclusão complexa, mas seguimos recomendando a redução e/ou eliminação do consumo de açúcar.
Circulating glucose levels modulate neural control of desire for high-calorie foods in human - J Clin Invest. 2011;121(10):4161-4169. https://doi.org/10.1172/JCI57873
Livro: Por quê não consigo emagrecer? Um olhar sobre corpo, comportamento e alimentação - Desire Ferreira Coelho, 2021