Publicado em:
21/12/2023
A restrição de carboidratos com o objetivo de tratar doenças é utilizada há alguns séculos. Mas, quando se trata de perda de peso, há vantagens reais?
A dieta cetogênica é um tipo de plano alimentar composto por alimentos com baixo teor de carboidratos e ricos em gorduras que tem sido usado por séculos para tratar condições médicas específicas, como diabetes e epilepsias de difícil controle. Ela também é alvo de estudo em doenças como câncer, síndrome dos ovários policísticos e doença de Alzheimer, ainda com resultados controversos.
Na década de 70, se tornou popular a dieta Atkins- que apresenta baixo teor de carboidratos a alto teor de proteínas em sua composição- como estratégia para perda de peso. Depois dela, outros tipos de estratégia que promovem a redução do consumo de carboidratos começaram a ser mais amplamente divulgadas, como a dieta Paleo e a Dukan, por exemplo.
Em contraste a essas dietas que preconizam baixo consumo de carboidratos, a dieta cetogênica não é sinônimo de low carb. O que a diferencia das demais estratégias é seu alto teor de gordura, geralmente de 70 a 80% , associada à ingestão moderada de proteínas.
A premissa da dieta cetogênica para a perda de peso é que, se você privar o corpo de glicose - a principal fonte de energia para todas as células do corpo, obtida a partir de alimentos ricos em carboidratos - um combustível alternativo chamado cetonas é produzido a partir da gordura armazenada (daí o termo "ceto"-gênico).
Durante o jejum, ou quando se come muito pouco carboidrato, o corpo primeiro retira glicose armazenada no fígado e temporariamente quebra músculos para liberar glicose. Se isso continuar por 3 a 4 dias e a glicose armazenada estiver completamente esgotada, os níveis sanguíneos de insulina diminuem, e o corpo começa a usar a gordura como sua principal fonte de energia. O fígado produz corpos cetônicos a partir da gordura, que podem ser usados na ausência de glicose.
Quando os corpos cetônicos se acumulam no sangue, isso é chamado de cetose. Indivíduos saudáveis naturalmente experimentam uma cetose leve durante períodos de jejum (por exemplo, durante o sono durante a noite) e exercícios muito intensos. Quão rapidamente a cetose ocorre e a quantidade de corpos cetônicos que se acumulam no sangue varia de pessoa para pessoa e depende de fatores como porcentagem de gordura corporal e taxa metabólica em repouso.
Não existe uma "dieta cetogênica" padrão com uma proporção específica de macronutrientes (carboidratos, proteínas, gorduras). A dieta cetogênica geralmente reduz a ingestão total de carboidratos para menos de 50 gramas por dia - menos do que a quantidade encontrada em um pão francês simples de tamanho médio - e pode ser tão baixa quanto 20 gramas por dia. Em geral, sugere-se que a dieta cetogênica tenha uma média de 70-80% de calorias diárias provenientes de gordura, 5-10% de carboidratos e 10-20% de proteína.
A quantidade de proteína na dieta cetogênica é mantida moderada em comparação com outras dietas com baixo teor de carboidratos e alto teor de proteína, pois o consumo excessivo de proteína pode impedir a cetose. Os aminoácidos das proteínas podem ser convertidos em glicose, portanto, na dieta cetogênica é preciso cuidado no cálculo da ingestão de proteína, para preservar a massa magra do corpo, incluindo músculos, mas de forma que ainda ocorra a cetose.
Existem muitas versões da dieta cetogênica, mas todas proíbem alimentos ricos em carboidratos. Alguns desses alimentos podem ser óbvios: alimentos com farinhas de grãos refinados e integrais, como pães, cereais, massas, arroz e biscoitos; batatas, milho e sucos de frutas. Alguns alimentos que podem não ser tão óbvios são feijões, leguminosas e a maioria das frutas. A maioria dos planos cetogênicos permite alimentos ricos em gordura saturada, como cortes gordurosos de carne, carnes processadas, banha e manteiga, bem como fontes de gorduras insaturadas, como nozes, sementes, abacates, óleos vegetais e peixes oleosos.
Junto com a perda de peso, alguns estudos mostraram melhora de parâmetros de saúde como resistência à insulina, pressão alta e níveis de colesterol e triglicerídeos após a implementação de dietas com baixo teor de carboidratos. Também há crescente interesse no uso de dietas com baixo teor de carboidratos, incluindo a dieta cetogênica, para o diabetes tipo 2. No entanto, em muitos estudos não é possível afirmar que tais benefícios sejam provenientes da dieta cetogênica em si, podendo ser consequências da perda de peso promovida pelo déficit calórico aplicado.
Existem várias teorias sobre por que a dieta cetogênica promove a perda de peso, embora elas não tenham sido consistentemente comprovadas em pesquisas. Dentre elas destacam-se: o maior efeito de saciedade promovido pela ingestão de gorduras e pela ação direta dos corpos cetônicos; diminuição da produção de hormônios estimuladores de apetite como a insulina e a grelina; e até mesmo o aumento do gasto calórico devido aos efeitos metabólicos da conversão de gordura e proteína em glicose.
A pesquisa disponível sobre a dieta cetogênica para perda de peso ainda é limitada. A maioria dos estudos até o momento teve um número pequeno de participantes, foi de curto prazo (12 semanas ou menos) e não incluiu grupos de controle. Embora nesses estudos a dieta cetogênica tenha mostrado benefícios a curto prazo em algumas pessoas- incluindo perda de peso e melhorias no colesterol total, glicose no sangue e pressão sanguínea- esses efeitos não são significativamente diferentes após um ano, quando comparados aos efeitos de dietas convencionais para perda de peso.
Seguir uma dieta muito rica em gordura pode ser desafiador principalmente no longo prazo. Há uma variedade de possíveis sintomas da extrema restrição de carboidratos que podem durar dias a semanas incluem fome, fadiga, baixo humor, irritabilidade, constipação, dores de cabeça e "névoa" cerebral (“brain fog”). Embora essas sensações desconfortáveis possam diminuir, a satisfação com a variedade limitada de alimentos disponíveis e a restrição de muitos alimentos podem reduzir significativamente a aderência ao plano alimentar.
Alguns efeitos colaterais negativos de uma dieta cetogênica a longo prazo foram sugeridos, incluindo aumento do risco de pedras nos rins e osteoporose, além de níveis elevados de ácido úrico no sangue (um fator de risco para a gota) e aumento dos níveis de LDL (o “colesterol ruim”) quando há excesso de ingestão de gorduras saturadas.
Deficiências nutricionais podem surgir se uma variedade de alimentos recomendados na dieta cetogênica não forem incluídos. É importante não se concentrar exclusivamente em alimentos ricos em gordura, mas incluir diariamente uma variedade dos tipos de carnes, peixes, vegetais, frutas, nozes e sementes permitidos para garantir a ingestão adequada de fibras, vitaminas do complexo B e minerais (ferro, magnésio, zinco) - nutrientes geralmente encontrados em alimentos como grãos integrais que são restritos na dieta. Devido às particularidades desse tipo de planejamento alimentar, é fundamental que qualquer paciente seja assistido
Quando se fala em perda de peso - partindo-se do ponto universal de prescrição de déficit calórico - não existe uma estratégia que seja melhor para todas as pessoas. A personalização do plano alimentar de acordo com as respostas às diferentes combinações de macronutrientes e levando-se em consideração dados objetivos e subjetivos é fundamental para o sucesso de qualquer intervenção no curto e no longo prazo.
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