Publicado em:
20/7/2022
Já parou para pensar o quanto das nossas escolhas e ações vem de padrões estabelecidos ao longo da nossa vida, que por vezes nem foram escolhas conscientes e deliberadas? Ou então o quanto deixamos de experimentar e conhecer por repetir sempre as mesmas coisas? Será que na verdade tem algum alimento, algum prato, algum restaurante, algum hábito ou algum esporte que traduziriam tanto você, mas que você simplesmente nunca teve contato?
Surpreendente e um pouco de cada coisa. Sal com um toque de canela, doce com salgado, cremoso com crocante. Um simples com requinte, tipo aquele jeitinho dado aos 45 do segundo tempo na adrenalina que traz o alívio de que deu certo. Originalidade e pragmatismo.
Para minha irmã, referências ao mar e verão não podem faltar: salada, peixe cru, melancia, tomate — tudo que exala frescor. Ela gosta de dizer que é uma questão de estado de espírito, como o seu inseparável biquíni, que usa mesmo no inverno: “deixa meu dia mais feliz”.
Pra minha mãe, é tudo que se traduz em abraço: um café com leite quentinho e espumado, um pãozinho mole, o macarrão com bife, o arroz de panela — aquele tempero de comida simples mas feita com cuidado e carinho, remetendo às suas raízes mineiras.
Pro meu pai, excentricidade: muita pimenta, muito tempero, muito coentro. Influência de muitas culturas e países. Aproveitar as comidas que dão no quintal de casa — muuuito abacate e cajá. Talvez uma prova de auto sustento, ou o orgulho de comer uma gororoba que ninguém mais quer. Curiosamente, reflete muito das suas formações como internacionalista e agrônomo.
Vivemos buscando formas de expressar nossa identidade. Está na roupa que vestimos, no nosso corte de cabelo, na decoração do nosso quarto. Por que não importaria também, então, na comida que preparamos e comemos?
Quando falamos de uma mudança de alimentação a longo prazo, de certa forma encaramos essa problemática: como mudar um senso de identidade de alguém? Como fazer a pessoa querer se enxergar de forma diferente e conseguir fazê-lo?
É interessante observar que, ao se falar em alimentação saudável, muitas pessoas têm um estereótipo na cabeça: a pessoa fitness que come sempre alface americana com frango grelhado. Um prato, na minha opinião, sem graça, chato, único e monótono, que reflete um estereótipo identitário que muita gente não quer virar — a pessoa “fitness”e com um foco excessivo. Sem ofensas a quem curte, e que ótimo se isso funcionar pra você, mas se isso virasse o meu dia a dia, eu nunca conseguiria sustentar. Não por não gostar destes alimentos, mas eles talvez não tragam parte do que espero que a comida me traga: um reflexo de quem sou.
“Nós somos o que fazemos repetidamente”, frase atribuída a Aristóteles. Muitas vezes o anseio pela mudança no estilo de vida vem da constatação de que o padrão de escolhas em um dado momento da vida não está refletindo quem se é, ou quem se quer ser. Seja por fatores circunstanciais ou contextuais, a dissonância entre a intenção e a ação gera o impulso para um redirecionamento dos padrões de escolha. E este impulso é especialmente forte. Veja, por exemplo, o quão bem sucedidas são as pessoas que se tornam veganas ou vegetarianas, em geral. A mudança vem de uma questão ideológica e identitária, e esse impulso perpassa tudo. Mais do que tudo, as restrições vêm acompanhadas de um exercício de autonomia. A mesma coisa quando observamos pessoas com paladar infantil — quando a vontade vem da própria pessoa, de não querer mais se enxergar dessa forma, acaba sendo muito mais eficaz. Idem, quando a mudança de alimentação é puxada por uma atividade física que é acompanhada de um senso identitário.
Vale notar que uma identidade não é uma coisa imutável e constante ao longo da vida — ela é dinâmica e volátil. Às vezes a necessidade de mudar vem de adentrarmos um novo contexto, iniciar uma nova fase ou pegarmos gosto por coisas diferentes: uma mudança no trabalho, o nascimento de um filho ou o início de um novo esporte.
Já parou para pensar o quanto das nossas escolhas e ações vem de padrões estabelecidos ao longo da nossa vida, que por vezes nem foram escolhas conscientes e deliberadas? Ou então o quanto deixamos de experimentar e conhecer por repetir sempre as mesmas coisas? Será que na verdade tem algum alimento, algum prato, algum restaurante, algum hábito ou algum esporte que traduziriam tanto você, mas que você simplesmente nunca teve contato?
Tenho gostado de ser a pessoa que acorda às 5h da manhã para treinar atletismo (e olha que eu sempre fui a pessoa que acorda rabugenta e em cima da hora). Tenho sentido um enorme prazer ao inventar meus almoços e jantares com os mais variados legumes, criar receitas de bolo com só 3 ingredientes e ousar na cozinha (e eu já fui “a menina que janta pipoca e sorvete”). Tenho sentido orgulho do meu braço ficando forte (alguém que nunca treinou braço por só aceitar que eu sou fraca). Tenho mudado a forma que encaro a bebida, e o que de fato me traz prazer (acho que meus dias de cerveja barata e open bar estão contados). Tenho, aos poucos, mudado a forma que me enxergo, o que acaba refletindo e sendo reflexo das escolhas que faço dia após dia, na minha rotina, alimentação, treino e finais de semana. É um processo, de adaptação, descobertas, erros, experimentações e constatações.
Talvez mais do que tudo, a Liti venha como uma proposta de descobertas e autoconhecimento: a jornada de se (re)descobrir quem se é.
E não tem nada mais gostoso do que conhecer novas versões de si.
O sucesso a longo prazo está, justamente, em achar essa resposta.
E você, está pronto para se redescobrir?